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6 - Várias Variáveis

 Tudo novo, de novo, em um novo ano. Mas um ano com mais possibilidades, percebi que estava com a cabeça mais focada em ser uma pessoa melhor e fazer o melhor para os outros também.

Já comecei sendo surpreendido com uma ligação do Biro, que trabalhava na rádio Cidade, me falando que ligariam para eu participar de uma promoção para o Rock in Rio. Fiquei trancado em casa e ligaram e me fariam uma pergunta sobre o New Kids on the Bloch. A rádio Cidade era uma emissora mais popular, não POP, e sim com músicas que agradavam as pessoas em seus trabalhos e em suas casas, sem muita música pesada. O dia provavelmente foi escolhido pelo Biro pois ele queria ver o RUN DMC e Snap, jamais pegaria para um dos dias do Guns N´ Roses. Pois me ligaram e acertei a pergunta e lá estávamos nós, em 20 de janeiro de 1991, embarcando para o Rio de Janeiro, para ir ao meu primeiro festival e primeira ida não só a cidade maravilhosa mas também ao Maracanã.

Vimos os shows do Inimigos do Rei, Roupa Nova, Run DMC e New Kids on the Bloch. O Snap não se apresentou pois o líder ficara preso no aeroporto no EUA e a cantora fez uma ponta no show do RUN DMC. Eu gostei mais por estar no festival, mas não nos dias que queria, já que o dia anterior e o dia seguinte teriam Guns N´ Roses, mas estive presente lá.

Na escola nova turma, mantendo só a Janaina de amiga afinal ela também reprovou o ano anterior. No primeiro dia de aula fui com a camisa do Rock in Rio, virei “celebridade”, muitos vindo falar comigo de como era o festival e tudo mais, foi bem bacana. Fiz amizade com novos alunos da sala e naquele momento eu já me apresentava como uma outra pessoa tanto no psíquico, pois estava sendo mais racional em tudo, quanto no visual, pois já estava a cerca de dois anos sem cortar o cabelo, usando camisetas de bandas, sendo logo marcado por isso. Os meninos que entraram não falavam de música. Me ouviam falando mas parecia que não davam a mínima, passei a conversar com as meninas, essas davam mais atenção.

Em um dia de frio apareci com um moletom com desenho da capa do “O papa é pop” e ouvi da Cinthia “Igual do loiro que canta”. Sim, era idêntica a que Humberto usava na capa do disco. Até os professores me rotularam por conta do meu lado roqueiro, mas conversavam comigo sobre tudo, era bem bacana esse relacionamento. No prédio não era mais o Kaká quem trazia coisas novas da música, passei a levar para a galera muita coisa nova e isso foi gratificante tanto que muitos começaram a deixar o cabelo crescer, passaram a ir à Galeria do Rock comigo, estava mostrando músicas para eles, em muitas vezes tentava as músicas mais de fazer pensar, mas eles iam para as fáceis, mas o importante era ter música na jogada.

O “Matéria Prima” virou “Programa Livre” no SBT. A MTV era uma realidade e trazia coisas novas como R.E.M., Faith No More, Lenny Kravitz, mostrava a cara do Sepultura para o próprio país, o POP legal do Roxette, um Van Halen contagiante e o mundo ia seguindo sua rota. Eu me fazia presente no mundo do rock mais do que nunca, mas sempre olhando para outros estilos músicas, não poderia viver dentro de uma bolha preta cheia de caveiras, tanto que falar sobre o Roxette era algo que fazia os outros torcerem o nariz. Mas o U2 já vinha mostrando músicas mais dançantes e o pessoal torceu o nariz para a banda também, algo estranho de perceber.

Nesse ano passei a sair aos finais de semana, indo em várias baladas, o que me fazia conhecer não só músicas novas como alguma que até então eram desconhecidas pra mim já que nem todas eram radiofônicas. Passei a ouvir mais a tal Dance Music que o Biro sempre falava e o Kaká zoava. Era um bate estaca que cansava, mas era possível ouvir vários estilos músicas e na hora do rock eu ia bater cabeça na pista.

A MTV sinalizava que sairia um disco novo do Engenheiros e minha ansiedade bateu forte, e nunca eu fui assim, mas é que “O papa é pop” não parava de tocar nas rádios, parecia até banda estrangeira que vinha com vários sons ou o Ultraje de 1985 ou a Legião que sempre tinha isso. O Engenheiros ali atingiu públicos que não os conhecia e se tornaram “a banda mais amada pelo público e odiada pela crítica” como estampou a capa da revista Bizz com os melhores do ano anterior. A banda foi votava em primeiro lugar em tudo que concorriam pelo público, mas a crítica só votou em algo deles na categoria dos piores.

Entre os sons novos que chegavam às rádios do Guns N´Roses, do Metallica que se tornou comercial, do dançante U2, de um Michael Jackson cantando com Slash, começou a surgir um povo mais pesado como Nirvana, Red Hot Chili Peppers, Pearl Jam, Alice in Chains e Soundgarden. A cabeça e ouvidos tentava acompanhar tudo para não fica na expectativa do novo do Engenheiros, mas eis que uma matéria na Folha de São Paulo dizia que as rádios de São Paulo se negavam a tocar a música nova da banda. A gravadora escolheu “Herdeiro da pampa pobre”, uma regravação de Gaúcho da Fronteira, cheia de coisas regionais do Rio Grande do Sul. O Engenheiros era uma banda aceita em todas as rádios, pois tinham músicas agitadas e as baladas para as rádios mais populares, e aquilo não estava sendo aceito. Na contramão disso a Jovem Pan resolveu tocar a música e ela teve até que boa aceitação do público. Não é uma música radiofônica mesmo, não fala da realidade de 90% do Brasil, mas tocou. Eu gostei da música, seu estilo era diferente e aprendi mais coisas do Estado que sempre sonhei em morar.

As outras rádios conseguiram pressionar a gravadora e passaram a tocar “Muros e Grades”. Essa também não era uma música assim de tão fácil acesso, visto que era mais uma crítica social e a banda estava estourada com baladas. Até que fez um certo sucesso, mas não como antes. É uma música muito boa, lembro de descer com um rádio e sempre a tocava e todo mundo esperava que ficar cantando, pois já havia a decorado. Não percebia que a galera respondia bem à música. Eu ficava na dúvida “o pessoal está crescendo e cansando ou a música é fraca?”. Eu sempre fui uma pessoa crítica e não tinha porque ficar defendendo a música se ela não tinha força.

Nessa época a minha Educação Física na escola era feita no período da tarde. Estudava de manhã e ficávamos para a melhor aula. Voltava para casa a pé após a aula, era eu, o Erick e o Fuscão. Eu os incentivava a caminhar e como eles moravam antes de mim, toparam. Mas uma bela tarde, ao sair da escola, vejo meu pai com o carro da minha mãe, que estava no passageiro e meu irmão atrás, logo pensei “alguém morreu”. Minha mãe desceu do carro e “vamos comprar um toca CD”. Eu PIREI!!! O CD estava entrando com tudo no mercado nacional, era um disco sem dois lados, você o colocava e saia ouvindo na sequencia. Pra quem demorou tanto para ter vitrola e videocassete o CD Player seria o momento de eu estar na frente de todo mundo. 

Fomos ao Makro e compramos um Sony, que acoplado ao meu 3 em 1 da Gradiente ficaria potente. Me fizeram ir junto para eu escolher o que queria. No Makro não tinham muitos CDs, meu pai pediu para escolhermos um cada e eu peguei uma coletânea do Lobão e meu irmão pegou “The Real Thing” do Faith no More. Nesse inicio de modernidade era difícil ter CD de artistas nacionais, era tudo um catado para agradar aos fãs daqui. As lojas do shopping já tinham CDs gringos e estavam pedindo os nacionais. Um belo dia estava andando por lá e entrei na loja Flash e a vendedora, que era linda, me chamou e “Ronaldo chegou esse aqui, acho que vai gostar” me mostrando o “Várias Variáveis”. Uma capa verde e cheia de ícones em roldanas e o trio no centro de tudo. Tomado pela emoção o comprei e depois pensei “Amanhã vai ter no Carrefour e mais barato, gastei a mais”.

Cheguei em casa e coloquei o CD. E QUE DISCO!!!!! Após a primeira audição bati no peito e “achei meu disco favorito da banda”. E realmente até hoje é o meu preferido dos caras. Ouvi de novo e de novo. Minha mãe falava “não vai descer hoje? já interfonaram aqui te chamando”. Não desci naquela tarde nem começo de noite, acho que ouvi umas 4 ou 5 vezes direto. “Não é sempre” passou a ser a trilha da minha vida. Essa música sou eu musicado por Humberto Gessinger. Todos os versos falavam de mim e ainda falam, como era possível se ver tão claramente em uma música? Eu me via em muitos versos isolados de várias músicas, mas essa era a letra toda dizendo sobre mim. A música é agitada, pesada, aliás o disco é praticamente o mais pesado de todos, mesmo tendo algumas músicas acústicas.

No outro dia ouvi de novo ao voltar da escola e fui me apropriando de cada música. As rádios começaram a tocar “Piano Bar”. Engenheiros voltaram a tocar, e muito, afinal era uma bela balada. Essa música marcou meu final de ano quando conheci uma menina e ficamos a cantando em uma virada de ano na porta da casa dela. Até hoje Humberto a canta em shows sempre mudando quem lhe dava razão nos táxis da vida. A música tem pra mim um "gosto" de madrugada até hoje, não sei pelo fato de a cantar com tal menina ou pelo instrumental que me remete à músicas ouvidas nas madrugadas da vida.

Não consigo falar se tem música ruim, gostei de todas, mesmo o inicio de “Várias váriáveis” aquela busca por emissoras no dial da rádio era instigante. O Disco começa com “O Sonho é popular”. E essa música com aquele lance de começar todas as palavras com a letra P era intrigante. Mas o que falar de “Sala Vip”? Que riff de guitarra é esse Augusto? Que música pesada!!! Como eu a cantei para algumas pessoas os versos “você pode achar o que bem entender, assim bem melhor” e por aí vai. Era difícil não querer a ouvir inteira. Quando comentei com o Vinicius desse disco ele logo pediu emprestado para gravar, mas dessa vez falei para me dar a fita que faria isso para ele. Ciúme, eu??? Sim! Eu sempre emprestava discos para todos gravarem, eu me sentia o propagador de música boa ali, mas com esse parei. Quem queria que me desse a fita e eu gravava.

Em Janeiro, perto do aniversário de São Paulo, a Transamérica começou a tocar “Sampa no Walkman”. Uma música que poderia dar liga, poderia virar hit pois misturava algumas frases famosas com o olhar de Humberto para a capital paulista. Assim como eu viajei por Porto Alegre com “Anoiteceu em Porto Alegre” era muito mais fácil viajar pela cidade que nasci e entender, dessa vez, tudo que ali era cantado. Mas a música era pesada para a rádio, que já começava a ser mais POP. Até as rádios rocks que existiam a tocaram pouco, também perto apenas do aniversário de São Paulo. Eu pensava “para ouvir Engenheiros na rádio ou vai ser com músicas antigas ou quando lançarem um novo disco.”. 

“Várias Variáveis” não era tão radiofônico. Tirando “Muros e Grades” e “Piano bar” talvez “Ando só” pudesse realmente fazer sucesso. Com uma letra que também falava sobre mim, tinha um refrão fácil, que poderia ser cantado e virar frase pronta para várias pessoas como outras músicas dos caras tinham virado, mas não rolou. Eu a cantava muitas vezes voltando da escola após o fuscão subir sua rua. Eu tinha ainda uns 4 quarteirões por andar e a cantava pois “sem saber até quando eu ando só”.

As músicas “Quartos de Hotel” e “Museu de cera” eram experimentos totais. Até hoje ao ouvir a introdução da segunda me transporto para Santos. Na vez que fui com meus pais para o litoral essa música começou a tocar no meu walkman e estava um tempo fechado, nebuloso, e aquela introdução parecia trilha sonora para tal momento. É incrível como me transporto para esse momento.

“Curta metragem” e “Descendo a serra” eram acústicas, algo que nunca me fez a cabeça. Não era fã de música sem a agitação da guitarra mesmo gostando de algumas isoladas. Mesmo assim essas músicas me tocaram. Eu e meu irmão sempre cantamos o versão “um dia de cão, um mês de cães danados, ordem no caos … um cão anda em círculos atrás do próprio rabo.” Não sei o motivo, mas a cantávamos do nada brincando um com outro.

“É muito mais difícil dizer adeus quando não há nada mais para se dizer.”

Música favorita desse disco: Sem dúvida a música da minha vida “Não é sempre”. Eu me vi nessa música inteira e tenho certeza que muita gente se viu também nessa letra.



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