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5 - O Papa é Pop

 O ano de 1990 começou diferente, não só para o Brasil, mas principalmente pra mim. Já em janeiro comecei a namorar a Paula, primeira namorada, nem sabia o que fazer. Fomos juntos para a escola, lá ninguém sabia da gente, somente o pessoal do prédio que fora para a mesma escola, fomos em 7 no total.

Logo que o Collor assumiu a presidência do Brasil veio com uma medida econômica que congelava as poupanças, ou seja, quem tinham dinheiro não ia poder mexer com nada. Foi tenso demais isso. Por sorte tínhamos comprado o apartamento e nossas poupanças tinham pouco dinheiro agora.

Na escola passei a lidar com gente de todo tipo, diferente da escola anterior onde eram todos do estilo “filhinhos de papai”. Foi um baita baque, não tinha uniforme, não tinha livros, não tinha lugar fixo, não tinha tantas regras. Meu Deus!!!! 

Fiz amizade logo com os meninos. Éramos apenas 7 numa sala de 50… Marco e Fabrício viviam falando de rock, falavam de Pink Floyd, Queen, U2 e eu falando de uma banda que descobri no final do ano, o Guns N´ Roses. Eles falavam que era bom o som também, e quando falei de Engenheiros somente o Fabrício falou algo favorável. Eu estava decidido a deixar meu cabelo crescer e assim foi por quase 6 anos sem corte.

Vivíamos cantando “Another brick in the wall” em vários momentos. Eles se diziam contra o conceito do governo, falavam algumas coisas com sentido e comecei a ficar de ouvido ligado naquilo e conversava também com o professor de história disso.

Ganhei uma promoção da rádio Transamérica e recebi um disco, par de ingresso para o cinema e uma camiseta. Essa camiseta foi a chave para fazer amizade com a Janaina, que ouvia o Transalouca. Começamos ali uma grande amizade. Passamos a cantar a música “Sombras na calçada” da banda Civil. Era muito bom isso.

O namoro terminou com cerca de um mês e deixei pra lá isso, queria viver de música e futebol naqueles meus 15 anos. Minha cabeça começou a mudar muito nessa escola. Era perceptível isso em mim, passei a me tornar um ser pensante, tanto que assisti a Copa da Itália sem muita expectativa na seleção brasileira.

No prédio tudo a mesma maneira. O comum entre a escola e o prédio era o gosto musical, muitos idolatrando U2 e Legião Urbana e eu o meu recém descoberto Guns N´ Roses além de Ultraje e Engenheiros. Ouvindo rádio o locutor falou “Agora com vocês o som novo dos Engenheiros do Hawaii” e começou a tocar “Era um garoto que como eu, amava os Beatles e os Rolling Stones”. Logo no primeiro verso minha mãe começa a cantar da cozinha. Eu comecei a cantar também e “já ouvi isso antes, será que sonhei?”. Quando terminou o locutor volta e “som novo dos caras, uma versão para a música dos Incríveis, e ficou incrível” nunca esqueci esse trocadilho. A música estourou, vivia nas mais pedidas de todas emissoras.

Conversava na escola sobre o som e Márcio não se conformava que Humberto dizia “stop” achando que era “está” no refrão. Márcio era um dos mais inteligentes da sala, só tirava notas altas, e eu não entendia como ele não conseguia perceber que era “stop”. Para ele ninguém falaria para se parar com duas das maiores bandas e foi aí que expliquei “cara, é assim, o stop não é que ele quer parar de ouvir Beatles ou Stones, é que, ao ir para a guerra, ele pode não voltar e não voltando não ouvirá nada, é uma metáfora sobre isso”. Ali percebi que realmente me tornei um ser pensante e sabia um pouco mais sobre música do que qualquer disciplina escolar.

Quando o disco “O papa é pop” foi lançado o comprei no Carrefour que já vendia lançamentos visto que o sertanejo estava começando a tomar conta do Brasil. Cheguei em casa e, ao colocar o disco, pensei “Nada de cores fortes na capa”. Já no anterior não tinha aquelas cores gritantes. Ouvi o disco umas duas vezes seguidas, não conseguia achar nenhuma música ruim. Me apaixonei. Que disco!!!

Logo de cara me apeguei à duas músicas “A violência travestida faz seu Trottoir” e “Anoiteceu em Porto Alegre”. Duas músicas longas e, para meu espanto, me fizeram curtir ambas já que eu não era chegado em músicas longas. A primeira vinha numa pegada intimista, de repente ficava super agitada e vai para a versão totalmente intimista onde Humberto cantava com Patricia Marx sob um violão dedilhando um som meio tenso. Cada verso eu fui devorando e pensando o quanto “da minha vida cabia no bolso da minha jaqueta”. A música volta com uma linha de baixo e numa pegada forte falando para não se render às evidências. Eu ia pegando aquilo pra mim, assimilando como se fosse pra mim cada uma das palavras. Humberto passou a explicar milhões de vezes o significado da música. Em uma entrevista ao programa do Serginho Groisman que eu assistia toda noite, o “Matéria Prima”, explicou que “trottoir é refazer o que já fora feito, ou seja, é a violência fazendo uma violência contra si mesma”. Parecia confusa mas era algo que passou a ser entendido após tal explicação e ouvindo a música.

Após ela já vinha “Anoiteceu em Porto Alegre”. Sempre tive vontade de morar em PoA, e aquilo me fazia imaginar como seriam os dias por lá. A música explica muita coisa, Humberto faz muita analogia com coisas locais e muitas dessas coisas fui compreendendo com o tempo. A dor vermelha anil eram as derrotas do Internacional, vermelho, para o Grêmio, azul. Quando fala que atrás daquele muro existe um rio que nunca existiu ele fala do Lago Guaíba, que, por conta do estádio colorado, ficou conhecido como rio, mas é um lago. O menino vendendo jornal, o jeito de se comprar pão (em São Paulo se pede pela quantidade e lá por peso), os lances do Renato Gaúcho, meu ídolo no futebol, fazendo os gols nos campeonatos que o Grêmio foi campeão. Eu ouvi demais essa música viajando em cada verso imaginando como seria a capital do Rio Grande do Sul. Uma das frases que uso até hoje é “a certeza de que o último dia de dezembro é sempre igual a primeiro de janeiro” pois penso que a gente vive um dia após o outro, essas mudanças de ano não influenciam muitas coisas no dia a dia de quem não está na escola.

Enquanto eu decorava cada verso de todas as músicas as rádio passaram a tocar “O papa é pop” e isso virou jargão. A música era muito boa e a gente passou a cantar em tudo que era lugar. Devido ao sucesso das duas músicas logo a balada “Pra ser sincero” começou a tocar e muito nas rádios. Essa música sempre foi uma alusão para uma despedida, um fim de relacionamento que imaginava eu que nunca a teria em minha vida, mas…

A rádio Transamérica fez um show ao vivo em seus estúdios com a banda e o show seria o mesmo que aconteceria no Palace no final de semana. Ouvi aquele show cantando todas as músicas e eis que após “Pra ser sincero” a banda emenda em “Refrão de bolero” do segundo disco. Uma versão menos tensa que a original, com cara de que podia tocar em rádio, e foi o que aconteceu. Aproveitando a exclusividade a Transamérica a coloca na programação e a música bomba. A banda tinha ali praticamente 3 músicas tocando por dia “O papa é pop” em menor quantidade, “Pra ser sincero” pra manter o que a gravadora pediu e “Refrão de Bolero” o que tornou a rádio mais ouvida por conta da versão exclusiva.

No final de semana a rádio transmitiu o show ao vivo e direto do Palace. Eu não fui, mas ouvi como se estivesse lá. Sentia o público cantando cada uma das músicas, estava eu na fila do gargarejo.

Enquanto as notas caiam no boletim, os namoros minguavam, meu apreço pela banda aumentava. Ouvia o disco praticamente todo dia. “Exército de um homem só” me fazia pensar em quanto eu continuava sozinho, longe das capitais e querendo seguir em uma infinita highway pelo que eu acreditava, e se o jeito era “escrever o resto em linhas tortas” e “sendo a memória em livros de história” por que não eu seguir minha vida como achava certo? Passei a escrever minha vida à minha maneira, seguindo o que eu achava correto, respeitando todos mas querendo minha felicidade. 

Em “Nunca mais poder” cada verso me mostrava algo que Belchior já tinha feito em “Como nossos pais”, que a gente quer ser sempre avançado, estar a frente de tudo e todos e somos sempre a mesma coisa “todo mundo é moderno como um quadro antigo”. Por mais que a gente buscasse algo novo, esse novo era antigo ou viraria antigo logo, o tempo é rápido e passa sem nos darmos conta de tanta coisa. Tentei ali fazer um desapego em minhas coisas, eu que colecionava coleções, pensei em viver mais, mas não o fiz, ao menos com a música nunca parei de a consumir.

De repente o Vinicius me fala “vai ter show dos Engenheiros no Ibirapuera, vamos?”. SIM!!!! Não via a hora que chegasse aquele sábado. Eu tinha comprado uma camiseta da banda com a capa do “Alívio Imediato” cinza e fui pronto para o espetáculo. A banda estava a mil. Receberam o disco de ouro pelas vendagens do disco, Humberto feliz em tocar um dia após Roberto Carlos e saber que estava batendo o recorde de público do ginásio. A banda tocou por 3 vezes “O papa é pop” deixando a terceira vez só para a galera cantar. foi um senhor show.

De volta a realidade fui reprovado na escola. Fiz uma viagem interior pensando em tudo que fizera para aquilo. Seria culpa da música? Seria culpa do futebol? Seria culpa dos hormônios que só me faziam pensar em meninas? Seria por trabalhar aos finais de semana com meu pai? A resposta foi a mesma. A culpa era minha, somente minha. Eu não me dediquei aos estudos como me dediquei a tudo isso. Vamos melhorar.

Música favorita desse disco: “Anoiteceu em Porto Alegre” sem dúvida alguma. É um disco que decorei em questão de dois dias, ouvi por meses, mas essa música me fazia viajar pela cidade. Quando fui à cidade em 2007 fiz questão de ouvir a música no aeroporto olhando pela janela enquanto anoitecia em Porto Alegre.



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