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1 - Longe demais das capitais

 Eu morava longe de tudo, lá no Jardim Andaraí, zona norte de São Paulo, capital. Não tínhamos padaria, banca de jornal, sequer tínhamos ponto de ônibus municipal por perto. Morava na rua Diamantina, 9, perto da bifurcação da Rodovia Presidente Dutra e a Marginal do Rio Tietê. Do outro lado da Rodovia existia a rua Diamantina e também o número 9, mas nossas correspondências, que sempre foram poucas, chegavam sem problema.

Ouvia música basicamente no rádio ou em fitas K7 gravadas por alguém, pois não tínhamos vitrola. O que fazia minha cabeça em 1986 era Blitz, Ultraje a Rigor, Plebe Rude, Camisa de Vênus, Kiss, e, por influência dos pais, Roberto Carlos, Roberto Leal, Julio Iglesias, Beatles, Rolling Stones, Jovem Guarda e tudo que tocava na rádio Jovem Pan 2.

Fora a música da rádio consumia música da TV, seja de filmes, novelas e programas de auditório. Na rede Globo, no dia 6 de Outubro de 1986 estreou a novela “Hipertensão” na faixa das 19 horas. A novela contava a história de Carina, que não sabia quem eram seus pais e de repente se depara com Candinho, Romeu e Napoleão e um deles seria seu pai, pois eles se casaram com trigêmeas e uma delas era a mãe da menina. A novela se mantém nisso até o fim e ela não conta que é o pai pois pegou carinho pelos três. Lembro de ver o final com minha mãe e irmão e acabamos ficando felizes com esse desfecho.

Novela costuma ter música específica para cada personagem e aqui não foi diferente. Para Raí, personagem do descolado Taumaturgo Ferreira, que vivia sendo acusado de ser o assassino dos pais de Luiza e vivia se metendo em encrencas havia a música “Toda forma de poder”. E que música! Ela já começa “eu presto atenção no que eles dizem mas eles não dizem nada”. fiquei ligado naquilo. Naquela época ter música em novela da Globo era certeza de sucesso e “AA UU” do Titãs, que estava na trilha também, estourou de tal forma que nem a banda esperava. “Só para o meu prazer” do Heróis da Resistência, que também estava nessa trilha da novela, também fez a banda de Leoni tocar muito a música nas rádios, e com o Engenheiros do Hawaii não foi diferente. “Toda forma de poder” começou a tocar nas rádio e virou um sucesso. Eu queria demais o disco, mas ninguém o tinha. 

Conversava com os amigos para tentar descobrir outras músicas e nada. Só sabia, via Globo de Ouro, que a banda era do Rio Grande do Sul.

No Natal meu pai nos deu um aparelho 3 em 1 de presente. Agora na sala tínhamos rádio, K7 e vitrola. Meu primeiro LP foi o mesmo álbum que foi no K7 “Nós vamos invadir sua praia” do Ultraje a Rigor. Eu procurava o LP do Engenheiros mas nada de encontrar. Vale lembrar que, devido ao local que morávamos, só comprava discos no Carrefour ou Makro, e era difícil ter muito lançamento.

Em Março de 1987 estreou na rede Manchete a novela “Corpo Santo” e me falaram “tem Engenheiros e Titãs de novo na trilha”. Comentei com meu pai se tivesse no Makro para comprar para mim. Ele chegou em casa dizendo “Deve ser bom o disco, tem Roupa Nova, Simone, Joanna, Tim Maia, Lulu Santos, Léo Jaime, Rádio Táxi e Fevers” e eu “Tem Engenheiros e Titãs”. Logo coloquei o LP para tocar e fui direto para ouvir de novo “Segurança” que já tocava a valer nas rádios. Ouvi várias vezes o disco que era muito bom.

Não achava para comprar o disco em lugar algum, mesmo pedindo para minha tia, que saia muito mais que todos e para amigos, mas nada de o achar.

As outras músicas não chegaram a tocar em rádio alguma até o lançamento do segundo disco da banda. E eu demorei a ter. Comprei-o na metade final da década de 1990 quando o lançaram em CD.

Somente após comprar o CD é que ele se fez real em minha vida. Se “Toda forma de poder” e “Segurança” marcaram minha infância, as outras surgiram num momento em que a adolescência se fazia mais presente em minha vida. “Longe demais das capitais” apareceu em 1989 como parte do disco “Alivio Imediato”. Eu me sentia longe demais de tudo. Morei longe da escola, eram 4 quilômetros, mas para nós parecia uma distância maior. Eram quase 15 minutos até lá. E quando ouvi essa música eu já morava a 280 metros da escola, mas eu sentia distância para tudo. Torcia pela Lusa e só tinha mais um amigo torcendo para o mesmo time. Gostava de bandas como Ultraje a Rigor, Camisa de Vênus e Plebe Rude que as pessoas já não falavam tanto. Meu tipo físico não era o que todos imaginavam, isso me distanciou de muitas meninas. Eu me sentia muito longe de todos.

“Beijos pra torcida” me interessou por conta do título, mas percebi a ironia em tudo após a ouvir e, assim como “Todo mundo é uma ilha”, comecei a utilizar certas frases de forma irônica com muitas pessoas. Era tão fácil eu dizer “você responde as questões da sua prova como o cara que manda beijo pra torcida depois de fazer o gol” ou “não se isole pois nem todo mundo é uma ilha”. Não só as frases das músicas mas passei a usar jargões ou os inventar para falar com colegas do prédio e escola. As frases do Humberto me acompanham até hoje em vários momentos de minha vida.

A que me pegou de jeito, isso em 1993, foi “Crónica”. Ela, bem como as outras músicas desse primeiro disco se fizeram presente em minha vida mas sem se destacar, mas a versão acústica dessa música me fez a ter como favorita desse álbum. Sim, já citei as duas primeiras lançadas como trilhas de novela, mas depois do lançamento da versão acústica voltei a ouvir a versão original, que também era muito boa.

Por conta desse efeito voltei a ouvir o disco e reparei que “Nossas Vidas” estava muito atual pra mim em 1993, pois estava finalizando os estudos e pensando em como seria minha vida a partir dali. E os versos “E o fim da linha, é só o início. De uma nova linha, de um novo mundo” passou a me mostrar que eu poderia sim dar um novo para minha vida. Eu, que trabalhava com meu pai e com meu tio, que estava vendo o colegial chegando ao fim, que pensava no que cursar na faculdade, que pensava em tentar arrumar um amor para chamar de meu. “Nossas vidas” fala muito do passado e fiz, daqueles versos, uma forma de encarar a vida a partir de tais mudanças.

Eu gosto demais desse disco, não é meu preferido, mas gosto dele. Muitas vezes ouço novamente e sempre tento perceber o quanto pode ser atual tais letras.

Música favorita desse disco: Gosto demais de 5, mas escolho “Toda forma de poder” por ter sido a primeira que ouvi, porque a acho perfeita, porque, depois de anos, a acho atual e me fez abrir os olhos para o lado político da vida.



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